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Entrelinhas, Entremontes e toca pauleira

Por João Camilo Torres

 

Quando era adolescente, existiam tardes dedicadas ao ócio, em que tinha a liberdade de pendurar as caixas de som na janela do quarto e colocar música para ouvir. A música podia começar de maneira suave, mas não se deixe enganar, logo uma bomba explodiria, ou alguém gritaria ou talvez fosse um disco cantado em alemão com a rotação diferente, quem sabe.

A música se espalhava e certamente, quarteirões e quarteirões do Bairro Santo Antônio (tinha absoluta fé na potência daquelas caixas de som) eram atingidos também. Com a mesma fé, acreditava que as janelas dos apartamentos ficavam cheias de gente.

A velhice trocou as caixas de música (aquelas lápides negras) por um headphone. As músicas, bem, algumas mudaram e algumas permanecem (a agressividade daquelas músicas, nesse momento, é tão bem-vinda quanto era antes) e os meus cabelos também estão diferentes.

Novas bandas com novas canções aparecem até da Mongólia. Outro dia foi a vez de uma banda chamada The Hu, que utiliza instrumentos tradicionais locais para tocar um bem familiar Heavy Metal.

Mas neste fim-de-semana, quando abri o Spotify e coloquei uma playlist, o ritmo foi outro. Havia até alguma agressividade de quebrar copos naqueles momentos surpresa dos poemas da Ana Martins Marques. Era o projeto Entrelinha Entremontes: versos contemporâneos mineiros em que vários poetas de Minas Gerais têm seus poemas recitados e de vez em quando, esses poemas parecem se lembrar de que um dia, foram escritos. (Estão escritos, o livro é um lançamento da Quixote + Do).

Neste Brasil, existe algo mais rebelde do que a Poesia? Do que publicar livros? Do que vender livros? Do que ler livros?

Não, não existe.

Escrever ainda é a forma mais violenta de desobediência civil. Sem precisar de tiros. Percy Shelley disse, em sua defesa da poesia, que os poetas são os verdadeiros legisladores do mundo. Então, por que não foram eles que escreveram as leis?

Por isso, quando os paneleiros (esses metaleiros) forem para as janelas, quero ressuscitar as caixas de som. Que seja o lugar dos poetas e dos riffs de guitarra.


João Camilo de Oliveira Torres é podcaster, ensaísta, escritor de contos, blogueiro da Quixote + Do e roteirista da revista Sci-Fic Punk Project.


Entrelinhas, entremontes na Quixote-Do:

 

2 comentários em “Entrelinhas, Entremontes e toca pauleira”

  1. Flávio Oliveira

    João, moro no Santo Antônio, um bairro historicamente super musical. Enquanto leio sua crônica estou ouvindo o som das panelas nas janelas, que batem furiosas e com toda razão. Concordo contigo, escrever e ler continuam sendo uma forma rebelde de estar no mundo. Parabéns pelo texto!

    1. João Camilo

      Oi Flávio, morei no Santo Antônio muitos anos, trabalhei aí, meus avós viveram aí. Era um bairro cheio de grandes escritores de Belo Horizonte. Que a fúria das panelas não parem por aí.

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