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Se essa rua fosse minha

por João Camilo Torres

 

A regra do três é bem clara: você deve assistir ao menos três episódios de uma série antes de decidir abandoná-la ou não. Afinal, uma vez, pode ser sorte. Duas vezes pode ser coincidência. A terceira vez já é o preto no branco.

A primeira vez na Rua Fernandes Tourinho aconteceu durante a virada dos anos 80’s e o começo dos anos 90’s. O Pop Pastel, bar que ficava na esquina com a Avenida Cristóvão Colombo, começou a receber grupos de pessoas vestidas com camisas pretas compradas na Cogumelo e calça jeans surrada, para tomar uma cerveja. Ou duas. Ou três. Logo o ponto ficou bem movimentado e os bares vizinhos foram assimilando aquele público todo, de tal forma que não era possível distinguir precisamente onde começava um bar e onde terminava outro.

Diferentes gerações e personagens conviveram ali: o povo do skate, tinha o Clube do Metal Favela, punks, algum eventual “toca Raul”, os White Metal, um povo que curtia uma praia que não existia, cachaça barata misturada com Sukita (e whisky escondido no carro do Gordo), o Movimento do Evoker (nunca saquei o que eu tinha a ver com isso), o Toninho Capeta cantando em inglês oficioso (imagino ele cantando The Hu) e de vez em quando, ficava vazio, com show no Ginástico ou sei lá, algum churrasco em sítio na Pampulha. Isso até o público se dispersar e passar a frequentar outras casas noturnas e bares que abriram na Savassi.

Alguns anos depois, a Leitura que funcionava na Cristóvão Colombo abriu espaço para um grupo de leitores diferentes: jogavam RPG e liam revistinhas em quadrinhos. Não eram os fãs dos filmes da Marvel, por que os filmes da Marvel na época eram bem piores do que os filmes atuais e a Disney ainda não tinha descoberto nenhum filão além das suas princesas, que nos anos 90’s haviam finalmente aprendido a ler. Pois é, nos anos 90’s havia um grupo de leitores fanáticos por fantasia e os computadores ainda usavam disquetes. Esses leitores não abandonavam a leitura depois da escola: ler e contar histórias eram as coisas mais divertidas para serem feitas.

Logo as lojas e clubes de RPG se multiplicaram, como a Bucaners do Marcus e Walter, que fazia acontecer os encontros ali na Fernandes Tourinho, naquela área do quarteirão próxima da Livraria Ouvidor e, enquanto os clubes duraram, especialmente os independentes, a rua serviu de ponto de encontro para vários eventos, onde jogadores de diferente gerações passavam adiante a mania de ler e contar histórias.

Essa foi a segunda vez. Podia ter sido coincidência.

O século virou e outras livrarias surgiram naqueles quarteirões. Aos poucos, caminhar pela Fernandes Tourinho, da esquina com Cristóvão Colombo até a esquina com Getúlio Vargas, se tornou um passeio literário. No meio do caminho, geralmente havia um escritor. Nas pontas, livreiros. Para manter a forma, era possível dar uma corridinha para passar em um lançamento na Scriptum e um na Quixote, que aconteciam ao mesmo tempo. Acontecem ainda e agora, ainda temos o Festival Livro na Rua (a terceira edição vem aí para deixar tudo preto no branco e cumprir a regra do três).

Não é coincidência. Parece que aquele quarteirão tem um vórtice que atrai as manifestações culturais de quem não está muito satisfeito com o que parece ser da preferência da maioria e acontece nas praças de alimentação dos shoppings.

Enfim, outro dia vi uma coleção de pôsteres criados durante os protestos de 1968, que aconteceram na França. Um deles dizia: “La Beauté est Dan la Rue”. A beleza está na rua.

É isso: A beleza está na Rua Fernandes Tourinho. Vem fazer a revolução também.

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João Camilo Torres

Podcaster, ensaísta, escritor de contos, blogueiro da Quixote+Do e roteirista da revista Sci-Fic Punk Project.

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